Mesmo quando ocorrem movimentos econômicos que estimulam a geração de vagas de trabalho, como a retomada das atividades produtivas e de serviços após o fim da emergência de saúde por causa da pandemia de covid-19, as condições dos trabalhadores não melhoram no Brasil, e pior, são agravadas quando se consideram questões raciais. É o que mostra o estudo A persistente desigualdade entre negros e não negros no mercado de trabalho, feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a propósito do Dia da Consciência Negra de 2022, celebrado em 20 de novembro.
Ao comparar os dados do segundo trimestre de 2019 com o de 2022, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e considerando “a perspectiva de crescimento de cerca de 2,5%” neste último ano, o Dieese observa que “houve elevação da informalidade, da subocupação e queda dos rendimentos, efeitos sentidos mais intensamente pelo homem e pela mulher negra”.
Desocupação
Um dos itens a comprovar essa constatação é a desocupação. A taxa de quem não conseguia atividade remunerada, sempre considerada no segundo semestre de cada ano mencionado, cresceu de modo acentuado na pandemia: passou de 12,1%, em 2019, a 13,6%, no ano seguinte, e depois a 14,2%, em 2021.
Com a normalização da situação sanitária e consequente retomada das atividades econômicas, como era de se esperar, essa taxa caiu para 9,3%, em 2022. No entanto, a retomada da produção e a redução do desemprego mantiveram as marcas da discriminação racial no país.
O estudo do Dieese denuncia que “são visíveis as dificuldades que as mulheres negras enfrentam no mercado de trabalho”, uma vez que “elas vivenciavam taxa de desocupação de 13,9%”, no segundo trimestre deste ano, enquanto esse índice era de 8,9% para mulheres não negras e de 6,1% para homens não negros e de 8,7% para homens negros.
Subutilização
Situação similar se verifica entre os subocupados por insuficiência de horas, pessoas que precisam e gostariam de trabalhar mais horas, porém não encontram oportunidades. No período analisado do ano de 2022, 6,7% da população total ocupada procurava mais atividades para incrementar sua renda, enquanto a taxa para a trabalhadora negra saltava para 10%. A do trabalhador negro se encontrava na média, em 6,5%, porém muito acima da do homem não negro, que ficou em 4%.
A subutilização da força de trabalho, que aos desocupados e subocupados soma os trabalhadores em desalento (que precisam trabalhar, mas perderam esperança de conseguir uma colocação) e aqueles que estão buscando trabalho, mas estão indisponíveis para iniciar no momento, ficou em 21,2% no segundo trimestre de 2022, menor que os 29,3% de 2020, momento em que a quarentena por causa da pandemia estava em vigor. Entre as mulheres negras, porém a taxa era de assustadores 31,5%, depois de ter batido os 41,6% durante a pandemia, bastante acima dos 20,6% das mulheres não negras. Entre os homens negros era de 19,7% e entre os não negros, de 13%.
Renda
A queda nos rendimentos, em média de 4,8%, afetou os trabalhadores de todos os segmentos da população. Os dados estatísticos mostram que os trabalhadores não negros tiveram perda maior, de 7,6% para as mulheres e 5,4% para os homens, enquanto os trabalhadores negros perderam 3,6% e as trabalhadoras negras, 0,8%.
Entretanto, o estudo do Dieese constata que esse fenômeno, que em um olhar superficial pode parecer que privilegiou profissionais negros e negras, na verdade “se deveu a efeito estatístico perverso: enquanto os trabalhadores que ganhavam mais foram atuar em home office, aqueles com menor remuneração perderam as ocupações”. Nesse processo, “as mulheres negras, que, em geral, recebem os menores rendimentos, foram as mais penalizadas e ficaram sem renda durante o período mais intenso de isolamento social”.
O estudo do Dieese constata que os rendimentos médios, no segundo semestre deste ano, “também comprovam a desigualdade de remuneração por raça/cor”. Nesse período, a remuneração média do trabalhador negro no Brasil foi de R$ 2.142 e a da trabalhadora negra, de R$ 1.715, enquanto a do trabalhador não negro alcançou R$ 3.708 e a da trabalhadora não negra, R$ 2.774. Assim, em média, o profissional negro recebeu 58,8% e a profissional negra, 46,3% do que o homem branco.
Conforme o estudo, essa situação decorre de processo estrutural que “é constante nos dados do mercado de trabalho e precisa ser modificada a partir de políticas públicas e sensibilização da sociedade”. Ainda segundo a instituição, é necessário “sensibilizar a sociedade em relação à discriminação existente no mercado de trabalho, que penaliza parcela expressiva de brasileiros”.
Para o secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Almir Aguiar, “os números do mercado de trabalho mostram que o racismo não está presente apenas nas ruas e nos ambientes de convivência das pessoas, mas na estrutura econômica do país, e de modo descarado”. O secretário entende que “esse é um mal que não afeta apenas os mais de 50% da população que são afrodescendentes, mas degenera toda a sociedade brasileira, e o enfrentamento a esse crime é dever de todo cidadão”.