Congelamento da tabela do Imposto de Renda gera perdas aos trabalhadores

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) publicou nesta quarta-feira (17) uma Nota Técnica que mostra o tamanho da defasagem da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), com comparações entre alíquotas praticadas em diversos países e simulações de correção da tabela para diferentes períodos . O estudo também trata sobre a importância da adequação das alíquotas à capacidade contributiva dos trabalhadores. “A política tributária brasileira é injusta. Ela deveria contribuir com o desenvolvimento social e econômico e com a ampliação da proteção social pelo Estado, na busca da equidade. Infelizmente, não é isso o que vemos em nosso dia a dia, e a nota técnica do Dieese deixa isso muito claro”, disse a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, que participa na noite desta quarta-feira (17), a partir das 19h, do debate sobre a elevação artificial do IRPF sobre os trabalhadores, promovido pela Campanha Tributar os Super-Ricos, que será transmitido ao vivo pelo Facebook da Contraf-CUT e da campanha. Distribuição de renda O documento do Dieese ressalta que “a política tributária é um dos principais instrumentos de distribuição de renda de uma nação” e que “uma das principais questões que se colocam sobre o IRPF é a forma de correção da tabela, pois se os salários são ajustados pela inflação e a tabela de incidência do imposto não é, os rendimentos dos trabalhadores são corroídos em termos reais”. “Nós defendemos que quem ganha até R$ 5.000 seja isento. Mas, sem a correção da tabela, para aumentar o teto de isenção, a cada ano aumenta o número de trabalhadores com baixos salários que precisam pagar imposto de renda”, lamentou a presidenta da Contraf-CUT ao lembrar que, além de não corrigir a tabela, na última campanha eleitoral Bolsonaro prometeu isentar quem ganhasse até R$ 5.000,00, mas não cumpriu a promessa. Para Juvandia, além de corrigir a tabela, o governo precisa criar novas faixas de contribuição. “Com a correção da tabela, quem ganha pouco passa a ser isento. Mas também é preciso criar novas faixas de contribuição, para que quem ganha mais contribua mais e quem ganha menos não precise pagar”, defendeu. “Também é preciso tributar os dividendos que são distribuídos aos acionistas de grandes empresas”, completou. Perdas dos trabalhadores Desde 2016, a tabela do Imposto de Renda está congelada e já acumula uma defasagem de 36% em relação à inflação. Por exemplo, o salário médio dos trabalhadores formais no Brasil, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) 2020, era de R$ 3.291,70 naquele ano. Com a tabela atual do IR e considerando o desconto para o INSS, esse trabalhador se encaixa na segunda faixa de contribuição (desconto de 15%) e tem retido na fonte, mensalmente, o valor de R$ 93,36. Caso a tabela do IR fosse corrigida pelo índice da inflação acumulada (36%), este trabalhador mudaria para a primeira faixa de contribuição (desconto de 7,5%) e a retenção mensal cairia para R$ 29,55. Com isso, economizaria R$ 829,51 em um ano, valor suficiente para comprar 1,1 cesta básica. Aqueles que ganham R$ 5.000 por mês, com a tabela atual, se encaixam na terceira faixa de contribuição (desconto de 22,5%) e têm retido na fonte, mensalmente, R$ 368,11. Com a correção da tabela pela inflação, mudaria para a segunda faixa de contribuição (desconto de 15%) e a retenção cairia para R$ 186,16. Em um ano estes trabalhadores economizariam R$ 2.635,32, valor suficiente para comprar 3,1 cestas básicas. Já os trabalhadores com salário de R$ 8.617 (média da categoria bancária), com a tabela atual, se encaixam na última faixa de contribuição (desconto de 27,5%) e têm uma retenção mensal de R$ 1.272,36. Neste caso, mesmo com a correção da tabela, permaneceriam na mesma faixa de 27,5%, mas, ainda assim, teriam redução no valor retido em função da correção da parcela a deduzir e o valor mensal retido cairia para R$ 957,42. Neste caso, a economia seria de R$ 4.094,21, o suficiente para comprar 5,4 cestas básicas. Além da correção da tabela Mas, a correção da tabela não basta para que haja justiça tributária. Para corrigir a injustiça, o Dieese propõe: correção anual da tabela IRPF atual pela inflação; criação de uma estrutura de tributação que contemple novas faixas de rendimentos, sobretudo com alíquotas mais altas para maiores rendas; e taxação de lucros e dividendos recebidos por sócios e acionistas, juntamente com revogação integral da previsão legal para distribuição de lucros e dividendos na forma de juros sobre capital próprio (IJF, 2021).

Bancários na vanguarda da organização sindical

O 6º Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), trouxe também a discussão sobre a organização num painel com o título O Futuro do Sindicalismo, onde apresentou caminhos para a organização da classe trabalhadora no Brasil. Foram palestrantes os sociólogos Fausto Augusto Júnior, diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), e Clemente Ganz Lúcio, que ocupou o mesmo cargo até 2020. Em sua apresentação, O Futuro do Sindicalismo, Augusto Júnior fez um retrato da sindicalização no país. Como informou o técnico, de 2012 a 2019, ocorreu queda sensível entre os trabalhadores ocupados no país que são filiados: a taxa foi de 16,1% para 11,2%, ou um contingente que passou de 14,4 milhões para 10,56 milhões. A redução foi próxima de 3,8 milhões, verificada com mais força entre assalariados urbanos. O grupo que inclui informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias e administrativas saiu de 1,78 milhão para 1,28 milhão de filiados, queda de 28,15%. Os dados analisados são da Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílio (PNAD contínua), do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar da reforma trabalhista, o número de entidades amentou de 2016 a 2022. “Muitos dizem que há muitos sindicatos de gaveta, mas com esses números vemos que a questão do imposto sindical, extinta com a reforma, não foi tão central”, disse. “O pior problema da reforma trabalhista foi a criação da negociação individual e terceirização; isso sim está minando as bases do movimento sindical”. No entanto, os números indicam que os sindicatos representam 31% da classe que vive do trabalho. Considerado o índice de sindicalização, o universo é de apenas 11,5%. “Ou seja, temos um problema na representação política”, analisa Augusto Júnior. Desafios Entre os desafios para o movimento sindical estão a grande heterogeneidade entre seus representados, formas precárias de contratação e a desestruturação do próprio mercado de trabalho, como um todo, decorrente da recessão, baixo crescimento, a pandemia e a reforma trabalhista. “Pra mim é um absurdo compararmos uma trabalhadora bancária a uma trabalhadora doméstica: a bancária tem 180 dias de licença maternidade; já a trabalhadora doméstica dá à luz hoje e se não trabalhar amanhã, pode não ter o que comer”, ressaltou. A busca por novos associados também deve ser um alvo. “A sindicalização está reduzindo, sim; e o pior: os jovens estão se sindicalizando menos”, disse o sociólogo. As principais questões que afetam a atuação sindical no setor financeiro estão relacionadas às alterações do perfil da atividade, redução da força de trabalho, o surgimento de entidades não bancárias no setor (como corretoras e fintechs) e o crescimento de atividades auxiliares ligadas a elas, que não são plenamente reguladas, como forma de burlar os direitos trabalhistas. A mudança do perfil do trabalhador no ramo financeiro é questão decisiva a ser enfrentada. Com o avanço tecnológico, houve crescimento dos chamados agentes autônomos de investimento em 121% nos últimos 10 anos, além de outros profissionais que prestam serviço para corretoras, correspondentes bancários e fintechs. Por atuarem por conta própria ou como pessoa jurídica, esses profissionais também se afastam da sindicalização e podem enfraquecer a negociação coletiva, que tradicionalmente tem assegurado garantias econômicas e sociais a toda a categoria bancária. “Os bancários estão na vanguarda do movimento, e tem conquistas muito acima da média de toda a classe trabalhadora, por isso, pensar a reformulação do movimento sindical é ter a categoria bancária como referência”, refletiu. Bancários na vanguarda Entre os pontos importantes para a luta sindical, Augusto Júnior indica que a categoria bancária, por seu tamanho e pela sua organização, deve seguir na vanguarda da representação coletiva. Para isso, conforme pesquisa do Dieese, a categoria deve perseguir cada vez mais a valorização do processo negocial, acordos específicos para fiscalização das condições de trabalho, aperfeiçoamento de assembleias e encontros virtuais e desenvolvimento de mecanismos para a compreensão das demandas dos trabalhadores. “Um enorme dilema é representar o já representado; e o pior problema da reforma trabalhista foi a criação da negociação individual e terceirização, que afeta a categoria; isso sim está minando as bases do movimento sindical”, avalia Augusto Júnior. Na conjuntura atual, o diretor técnico do Dieese apontou uma série de desafios imediatos a serem superados pelas entidades que representam os trabalhadores. A adesão ao home office, fortalecida na pandemia é uma delas. Segundo pesquisa do Dieese, 38% dos bancários declaram querer permanecer apenas nesse regime, mas o sentimento de autonomia que essa opção confere pode contribuir para um forte aumento da rotatividade na categoria, e isso exigirá novas estratégias de ações coletivas, diferentes da que temos hoje. “O modelo de hoje não dá conta do mundo do trabalho, e a pergunta é sobre como vamos avançar”, diz. Augusto Júnior orientou que, por esse cenário, algumas resoluções do 13º Congresso Nacional da CUT (Concut), de 2019, devem ser observadas, em especial a ampliação da representação de toda a classe trabalhadora, e com isso ultrapassar o conceito de categorias e partir para o ramo de atividade. “É muito importante para o movimento sindical que, além da luta pela formalização do emprego, busque-se a inclusão dos profissionais com vínculo trabalhista precário, dos informais e dos desempregados; dessa forma, as entidades sindicais se tornarão espaço de articulação e unidade em torno dos interesses comuns de todos os segmentos da classe trabalhadora”, conclui.

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