Deise Recoaro fala sobre atuação dos Sindicatos e Feminismo durante live em alusão ao 8 de março

Evento foi promovido pelo Sindicato dos Bancários do Sul Fluminense

O movimento sindical precisa ampliar as pautas femininas e se abrir para o feminismo. Esta foi uma das conclusões do debate promovido pelo Sindicato dos Bancários do Sul Fluminense neste dia 09, em live especialmente convocada para discutir o assunto, em alusão ao Dia Internacional da Mulher. A palestra ministrada pela dirigente sindical bancária, feminista, militante do movimento de mulheres brasileiras, pesquisadora e doutoranda na Universidade de Coimbra, Deise Recoaro, foi pautada no tema – Sindicatos e Feminismo.

Durante o evento, Deise ponderou que se o papel do movimento sindical é fazer a disputa pela renda do trabalho e buscar melhores condições de vida e de trabalho para a classe trabalhadora, também  deve ter  o compromisso de lutar claramente para combater os pré-conceitos, discriminações e principalmente tratamentos diferenciados entre os gêneros masculino e feminino. “Precisamos buscar a equidade, principalmente no que se refere aos acessos a cargos e salários de modo igualitário”, disse

A afirmação da sindicalista é corroborada pelos resultados das pesquisas oficiais, constatados pelo Mapa da Diversidade, realizado com a categoria bancária. Os dados apontam que apesar da maior escolaridade, as mulheres ganham entre 25% a 30% menos que os homens, e quando há demissões são as mais atingidas. Se as questões de gênero forem somadas às de raça, as mulheres negras ficam em situação pior ainda, diante de uma diferença salarial da ordem de 40%.

A pesquisa evidencia que as mulheres que ocupam cargos mais elevados, de chefias, direção e CEO´s ainda representam uma minoria, tanto na categoria bancária, como na sociedade. Ou seja, apesar de todos reconhecerem que existe a divisão sexual do trabalho, a sociedade e o próprio movimento sindical ainda não conseguem romper com as desigualdades.

No setor privado e público, as desigualdades são utilizadas para aumentar a exploração, principalmente de mulheres. “Então combater essas desigualdades é essencialmente classista. Essas mazelas sociais acontecem em razão de todo um processo de construção histórico, cultural, social, econômico e até religioso, que fundamentam a chamada sociedade patriarcal, que sempre assegurou uma situação mais privilegiada aos homens. Mas é no capitalismo, que essas diferenças são intensificadas no sentido de aumentar a exploração. Por isso que a pauta do feminismo e das questões femininas precisam ser sempre  encampadas pelo movimento  sindical, que necessita inclusive, de se renovar e contemporanizar  se abrindo e se espelhando na organização dos mais diversos movimentos sociais que buscam melhores condições de vida para todos “, disse Deise Recoaro.

A pesquisadora apontou ainda que em uma de suas  pesquisas, citando estudos à partir da Europa e outros países da América Latina, sugeriu mudanças na concepção e organização sindical, rompendo critérios restritivos de categoria profissional para uma organização mais horizontalizada, como nos movimentos sociais organizados, abarcando movimento de mulheres, uberizados, informais, desempregados, entre outros, nas suas bases de representação. A transformação seria baseada nas crises porque passam os sindicatos em nível mundial, em razão dos diversos ataques, desemprego em alta, retirada de direitos, flexibilizações e precarização dos contratos de trabalho, crises econômicas e implosão do mercado formal de trabalho.

Ainda no decorrer da transmissão ao vivo, a diretoria do Sindicato do Sul Fluminense presenteou as participantes com o livro “Calibã e a bruxa”,  best seller mundial de Silvia Federici, que apresenta com uma narrativa muito leve e agradável, a questão do feminismo,  onde conta a tentativa de apropriação dos corpos e almas das mulheres, impedindo que de fato elas sejam de livres.

Para Júlio Cunha, atual presidente do Sindicato dos Bancários do Sul Fluminense, a ideia em realizar o painel foi de aprofundar as reflexões acreca do tema e ajudar no desenvolvimento de políticas específicas para ampliar a participação feminina na ação sindical. “Mais do que isso, criar espaços e canais permanentes para que as bancárias possam melhor se expressa  e o movimento sindical possa melhor ouvir as demandas, necessidades, especificidades femininas para que haja uma atuação em sintonia, sempre”.

 O diretor sindical de Promoção Social, Miguel Pereira,  disse que a realização do debate, com a presença de mulheres como Deise Recoaro, representou  as milhares de mulheres engajadas nos diversos movimentos sociais e sindicais mundo afora. “Isto demonstra que estamos antenados com a necessidade de  tratar dessas pautas”, comentou.

Encerrando a live, Deise reafirmou a necessidade e importância de valorizar e respeitar todo tipo de diversidade, considerando que a riqueza da vida social está justamente neste exercício que deve ser realizado diariamente, a cada segundo. Agregado a este valor, também está o combate à exploração. “Enquanto houver exploração, seja de homens ou de mulheres, a importância dos Sindicatos se fará presente e imprescindível. Precisamos ampliar nossos olhares e principalmente mudar atitudes”.

Entre os encaminhamentos determinados durante a live, destaque para a realização de uma campanha de sindicalização específica para as mulheres, para que elas vejam e tenham no Sindicato um espaço de organização e acolhimento, com um olhar mais feminino. A campanha será desnvolvida tão logo seja possível, em função da pandemia da Covid-19.

 

ARTIGO NO LE MONDE BRASIL

 

Deise Recoaro acaba de publicar artigo no Jornal Le Monde Brasil,  abordando exatamente a temática tratada na live.

 

Por um feminismo sindical ou um sindicalismo feminista?

Deise Recoaro

FonteLe Monde Diplomatique Brasil
Data original da publicação: 22/02/2021

Em O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras, bell hooks (com as iniciais em minúsculo por exigência da própria autora) afirma que o feminismo não deve ser um movimento exclusivo das mulheres, mas pode ser dos homens também. De forma muito didática a autora procura aproximar o feminismo das camadas populares a fim de construir um movimento de massa. Ela tenta desfazer medos e mitos que se formaram em torno do feminismo, por causa da sua proposta radical de transformação, tanto individual como coletiva, no combate ao sexismo (de homens e de mulheres). Um dos mitos é que para ser feminista precisa ser acadêmica, e um dos medos é que ser feminista é ser inimiga de homens. 

A meu ver, o feminismo assusta porque nos tira da zona de conforto, por isso é tão difícil para muitas mulheres (e homens) se autodeclararem feministas. Assusta pelo alto poder de crítica e autocrítica e até por isso, nos tira da zona de conforto porque está embutido nele uma série de revisões em termos de comportamento e pela necessidade de alinhar teoria e prática em uma sociedade repleta de contradições – dentro de nós mesmas. Ao mesmo tempo o feminismo é libertador na medida que passamos a entender que toda má sorte de ser mulher nessa sociedade não diz respeito à incompetência pessoal ou coletiva, mas, e até mesmo, por nossas qualidades ameaçadoras à lei e à ordem de grupos socialmente privilegiados. Para bell hooks, o feminismo liberta até mesmo os homens do pacto de manutenção do poder do macho, que também os oprime.

O feminismo segue questionando o privilégio dos homens sobre as mulheres, das mulheres ricas sobre as pobres, das brancas sobre as negras, das heterossexuais sobre as homossexuais, das cisgênero sobre as transgênero, das idosas sobre as jovens (e vice-versa) e novos questionamentos estão por vir. Com tantos questionamentos e polaridades é natural que o feminismo se divida por diferentes campos de visões e ações. Porém, ao contrário de muitas organizações no campo da esquerda, o feminismo enxerga nesse caldeirão de opiniões e posições a possibilidade de crescimento de um movimentos forte, maduro e autêntico. No qual possa abarcar todas as tribos e unificar as ações de todas e todos que buscam romper com a situação de discriminação e opressão impostas pelo capitalismo, patriarcado e racismo.

As direções sindicais reconhecem a importância de organizar mais mulheres, que ao ampliar a representação feminina também aumenta a agenda de demandas por justiça, mas ignoram as contribuições do feminismo na promoção das mudanças necessárias para a sobrevivência dos sindicatos. Estudiosos do sindicalismo como Peter Waterman e Kim Moody admitem que o feminismo é um modelo de organização exemplar para os sindicatos se espelharem, mas não o enxergam dentro do próprio sindicalismo, nas ações das próprias sindicalistas. Já para Jan Kainer, ao analisar a contribuição das mulheres para a tão proclamada necessidade de renovar os sindicatos, não se trata de organizar as mulheres por organizar, mas sim de mudar radicalmente a perspectiva de organização sindical como um todo. Para a autora isso será possível se reconhecerem as contribuições das feministas, em especial da segunda onda, e a ausência de estudos sindicais sobre o poder do patriarcado.

Não é possível renovar os sindicatos sem reconhecer as contribuições práticas e teóricas das feministas advindas da segunda onda. Segundo Jan Kainer, tais contribuições dizem respeito à compreensão das relações sociais de gênero, que contribuíram para tirar a mulher do isolamento e organizar os não organizáveis e informais, onde se encontram as ocupações típicas de mulheres. Outra importante contribuição está na ampliação da agenda por equidade que operou para desafiar a democracia sindical promovendo novas lideranças e alternativas de representação. Além disso, a luta por equidade, por ser um fenômeno mundial, desenvolveu um internacionalismo operário de mulheres, cuja maior expressão é a greve feminista. 

A construção de coalizão com as feministas trouxe importantes contribuições porque enriquece a ação sindical e estabelece parcerias com outras organizações, aumenta a capacidade de mobilização, revê debates e objetivos sindicais e inspira para uma nova visão de transformação social.  

Consequentemente, trata-se de mudanças na cultura sindical por mais horizontalidade e menos hierarquia. Atrai mais mulheres para os sindicatos não só para o debate das relações de trabalho, como para a transformação das relações sociais. Aumenta a consciência feminista das sindicalistas, tanto teórica como prática, transformando as mesmas e as pessoas ao seu redor.

A literatura sindical recomenda rever a democracia, ampliar a representação e incluir os chamados grupos minoritários, mas isso não basta. Esses grupos devem assumir o protagonismo dessas mudanças pois abarcam tanto as condições objetivas como as subjetivas de participação. 

As sindicalistas podem contribuir com suas experiências e consolidar a identidade de um feminismo sindical a partir da realidade vivida por elas, porque não é a mesma de quem milita em um movimento exclusivo de mulheres. Se hoje existe uma preocupação de parcela de estudiosas e militantes feministas sobre a perda da centralidade do trabalho nas análises das opressões e discriminações, no feminismo sindical essa centralidade é a condição primeira para sua existência. Além disso, o feminismo tem muito a contribuir para uma reflexão sobre o patriarcalismo predominante no movimento sindical e na revisão de suas práticas hierarquizadas e excludentes. Rumo a um sindicalismo feminista!

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