A mesa de encerramento dos debates deste sábado (5) na 25ª Conferência Nacional d@s Trabalhador@s do Ramo Financeiro teve como tema a “Transformações no mercado de trabalho e organização do ramo financeiro”.
As apresentações ficaram a cargo dos economistas da subseção da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Vivian Machado e Gustavo Machado Cavarzan.
Vivian abordou as novas tecnologias bancárias, como inteligência artificial (IA), e como isso afeta a segurança no sistema financeiro. De acordo com a economista, o mundo está passando pela quarta revolução industrial, com a fusão de tecnologias que está combinando as esferas física, digital e biológica.
A popularidade do ChatGPT gerou todo tipo de discussões e especulações sobre o impacto que a inteligência artificial generativa já está tendo e terá em nosso futuro próximo. Por isso, o mundo todo está correndo para regulamentar essa novidade.
Em junho, a União Europeia (EU) deu um grande passo para estabelecer regras – as primeiras do mundo – sobre como as empresas podem usar a inteligência artificial. No Brasil, o Congresso Nacional está trabalhando na construção do Marco Regulatório da Inteligência Artificial. O projeto prevê avaliação de riscos, responsabilização dos agentes envolvidos e direitos de pessoas eventualmente afetadas pela IA.
“É importante acompanharmos todo esse debate, pois o setor bancário é líder em investimento privado em tecnologia no Brasil e no mundo”, explicou Vivian, lembrando que, em 2022, os gastos em tecnologia dos bancos chegaram a R$ 34,9 bilhões, com crescimento de 18% em relação a 2021.
A economista apresentou alguns pontos da Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2023 para mostrar como a agenda 2023 nos bancos será baseada no uso da IA como tecnologia essencial para automação e eficácia.
Novos modelos de negócios
Vivian Machado também falou sobre a expansão dos bancos digitais. Só em 2022, 28 novas fintechs surgiram. Fintech é uma empresa que tem como objetivo otimizar serviços relacionados às finanças das pessoas ou de empresas, utilizando inovação e tecnologia. O termo surgiu a partir da junção das palavras em inglês financial (financeiro) e technology (tecnologia).
Com esse crescimento, quase 80% da população brasileira têm conta em banco tradicional e digital. Por isso, o Banco Central (BC) criou o Open Finance ou sistema financeiro aberto, que é a possibilidade de clientes de produtos e serviços financeiros permitirem o compartilhamento de suas informações entre diferentes instituições autorizadas pelo BC e a movimentação de suas contas bancárias a partir de diferentes plataformas, e não apenas pelo aplicativo ou site do banco, de forma segura, ágil e conveniente.
“Atualmente, uma instituição ‘não enxerga’ o relacionamento que os clientes possuem com outras instituições, o que – teoricamente – prejudica a competição entre elas. Com o Open Finance, as instituições se conectam diretamente às plataformas de outras instituições participantes e acessam, exatamente, os dados autorizados pelos (as) clientes. Todo o processo é feito em ambiente seguro e a permissão poderá ser cancelada pela pessoa quando ela quiser”, explicou Vivian.
A implantação do Open Finance no Brasil tem o potencial de injetar R$ 760 bilhões (US$ 157 bi) na concessão de crédito, sendo R$ 460,7 bi para pessoas físicas – considerando o potencial total de adesão dos consumidores à modalidade. Mas, a julgar por uma nova pesquisa realizada pela consultoria Capgemini, esse potencial pode levar tempo para se materializar.
Real digital
O BC estuda a emissão do real digital, iniciativa que criará a versão com tecnologia cripto da moeda brasileira. Uma Moeda Digital de Banco Central (CBDC, na sigla em inglês) é uma criptomoeda, que como qualquer moeda digital, apoia-se em uma tecnologia blockchain para existir, mas que é emitida e controlada pela autoridade monetária do país, com valor exatamente igual ao da contraparte física. Ou seja, um real digital deve sempre valer R$ 1,00.
A ideia de emitir versões tokenizadas das divisas soberanas veio do setor privado, que criou as chamadas stablecoins, que são criptomoedas atreladas ao valor de uma moeda tradicional soberana como dólar, euro e real. A maior de todas as stablecoins, o tether (USDT), cresceu mantendo a paridade de um para um (1:1) com o dólar estadunidense.
Evolução e tendências
Gustavo traçou um cenário do emprego no ramo financeiro. Segundo ele, o setor financeiro brasileiro passou por uma verdadeira reestruturação, com mudanças nas tecnologias, na legislação trabalhista, na regulamentação do BC e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na política econômica do país e no papel dos bancos públicos, o que alterou drasticamente o modelo de negócios.
O principal impacto foi no emprego. Conforme o diagnóstico apresentado, desde a reforma trabalhista feita logo após o golpe de 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff, os bancários foram fortemente atingidos após. Em 2019, pela primeira vez na história, a categoria passou a representar menos da metade do emprego formal no ramo financeiro. Em 1994, eram 80%; em 2012, 59%; em 2019, 47%; e em 2021, caiu para 44% do ramo financeiro formal, enquanto as demais categorias passaram a 56%.
“Isso é muito preocupante, porque a categoria bancária representa o núcleo central do ramo financeiro, com sindicalismo forte e capaz de exigir acordo coletivo consistente, inclusive com cláusulas sociais. A fragmentação do emprego no ramo financeiro nos indica que a estrutura sindical atual brasileira dificilmente dará conta de responder aos desafios colocados”, observou Cavarzan.”
De acordo com o Relatório do Fórum Econômico Mundial 2023 sobre o Futuro do Trabalho, as funções que mais crescem estão sendo impulsionadas pela tecnologia e pela digitalização. Big data, por exemplo, está no topo da lista de tecnologias que devem criar empregos.
A previsão é comprovada na comparação de trabalhadores em ocupações nas áreas de Tecnologia da Informação (TI) nos bancos privados entre 2012 e 2021. Em 10 anos, o número de trabalhadores em ocupações relacionadas à TI passou de 14,4 mil para 24,6 mil, crescimento de 70,4%. Entretanto, a proporção das mulheres nestas ocupações diminuiu.
Enquanto a categoria bancária perdeu mais de 70 mil postos de trabalho, outros segmentos tiveram forte expansão. A proporção de trabalhadores em cooperativas de crédito em relação à categoria bancária saiu de 8% para 21%; e a de securitários, de 36% para 56%.
“A fragmentação se dá não só em diferentes categorias profissionais, mas em diferentes formas de contratação, como autônomos, MEIs, PJs e plataformizados”, explicou o economista.
Enquanto 42% da base da categoria bancária estão em empresas públicas, nas demais categorias do ramo financeiro mais de 90% da força de trabalho estão no setor privado, com maior rotatividade. Na categoria bancária, um terço da força de trabalho tem jornada de até 30 horas e 16,8% jornada de 41 a 44 horas semanais. Nas demais categorias do ramo, apenas 7,7% das pessoas têm jornada de até 30 horas, enquanto 47% têm jornada de 41 a 44 horas semanais.
“Os trabalhadores e trabalhadoras que se expandem no ramo financeiro são representados por diferentes e diversos sindicatos – ou não têm representação sindical alguma – e têm condições de trabalho inferiores ao núcleo central da categoria bancária, cada vez mais reduzido”, explicou Cavarzan.
Em termos de padrões de remuneração é possível observar que enquanto na categoria bancária prevalecem as faixas salariais acima de cinco salários-mínimos, entre as demais categorias do ramo financeiro prevalece a faixa salarial de até três salários-mínimos, com quase metade dos trabalhadores.
Para Gustavo Cavarzan, parece fundamental debater mudanças na estrutura sindical brasileira e também nas estratégias internas do movimento sindical para fazer frente a essa nova composição do mercado de trabalho.
“Nessa empreitada, é fundamental conhecer a realidade regional de cada base para definir prioridades e planos de ação”, finalizou.
*Fonte: Contraf-CUT